MÊS DA BÍBLIA 2010.
JONAS: CONVERSÃO E MISSÃO
LEVANTA-TE E VAI À GRANDE CIDADE ( Jn1,2)
O livro se inicia como muitos livros proféticos afirmando que a palavra de Deus veio a...(Os1,1;Jn1,1;Mq 1,1;Sf 1,1;Ag 1,1; Zc 1,1). Com isso se estabelece um convite ao leitor para se identificar com o protagonista e se tornar um canal para que a palavra de Deus chegue a todos os povos. Lendo o livro atentamente se chega à conclusão que Deus é diretor do drama, ele está no controle de tudo, está determinado a fazer sua misericórdia chegar aos ninivitas. Ele prepara(em hebraico,manah) um peixe (2,1),uma mamoneira (4,6), um verme (4,7), um vento oriental (4,8). E Jonas não consegue mudar o roteiro ou projeto divino. Deus começa e termina o livro, a sua palavra é soberana e não volta a ele sem que se torne efetiva e produza o fruto almejado (Is 55,11).
A missão de Jonas é precisa: tem que anunciar aos habitantes da grande cidade de Nínive que sua iniquidade subiu a Deus. Isso consiste numa parusia conforme se procedia em antigos reinos. O termo grego parusia significava a visita do rei a uma região distante da sede do governo para resolver certos problemas administrativos como o abuso de autoridade dos governantes e a prática da iniquidade por parte destes. O aviso de que o rei está sabendo da iniquidade, dava tempo aos culpados para mudar de conduta como também deixava os oprimidos cheios de esperança que o rei lhes fizesse justiça. Nesse sentido, o que Jonas deve anunciar é a parusia do verdadeiro rei do universo sobre um vassalo, o rei de Nínive. De nenhuma forma se trata de um veredicto definitivo do juiz, mas de um aviso para que haja oportunidade de mudança de atitude por parte dos que estão praticando o erro. Não é uma condenação, mas uma boa - noticia o que Jonas de anunciar.O mandato missionário consiste em três imperativos: levanta-te, vai, proclama (Jn 1,2;3,2). O termo chave é o verbo hebraico qará que significa proclamar ou gritar. Esse termo aparece sete vezes nesse livro : três vezes se diz qará(proclama) a Nínive, três vezes se diz qará (clama) a Deus e uma vez se afirma qará (proclama) um jejum. A proclamação do jejum faz a ligação entre proclamar a Nínive e clamar a Deus. O mesmo termo aparece no salmo do capítulo dois (Jn 2,3), mas trata-se de um acréscimo bem posterior.
Apesar de não haver, em nenhuma parte do livro de Jonas, uma palavra vinda de Deus para condenar Nínive, é isto que o missionário anuncia : "Dentro de quarenta dias Nínive será destruída!"(Jn 3,4). Por que o missionário diria isso se a palavra de Deus foi outra (Jn 1,2)? Ora, segundo a ideologia da retribuição, se Deus sabia da iniquidade de Nínive deduzia-se que ele a destruiria como castigo pelos pecados. O termo hebraico haphak significa a total destruição de uma cidade e é usada na Bíblia somente para se referir a Sodoma e Gomorra (Gn 19,29), Jonas anunciou uma conseqüência lógica de suas concepções teológicas. Por esse motivo o livro de Jonas chama à conversão, não apenas os ouvintes, mas primeiramente o missionário.
De fato, Jonas é, de todos os personagens desse livro, o que mais precisa de conversão. Ele pode ser definido como desobediente. Aos três imperativos da missão (levanta-te, vai, proclama,Jn 1,2;3,2) Jonas age em sentido contrário : desce(1,3), foge (1,3), dorme (1,5). Os estrangeiros, tanto os marinheiros quanto os ninivitas, foram mais religiosos, e até o mar, o peixe, a planta, o verme, o vento oriental, todos submetem-se à vontade de Deus. Jonas, ao contrário, mesmo quando parece ser obediente não o é de fato, pois anuncia a mensagem em apenas um dia, quando se levaria três dias para atravessar a cidade. E proclama um conteúdo diferente daquele que lhe foi indicado.
Apesar de tudo os ninivitas creram em Deus (Jn 3,5), o termo hebraico usado é àman, o mesmo usado para descrever a fé de Abraão (Gn 15,6), isso significa que eles depositaram toda a sua confiança em Deus, mesmo tendo recebido uma mensagem de condenação. O que não fariam, então, se tivessem recebido a Boa-Nova? Também os marinheiros estrangeiros adoraram o Deus de Israel (Jn 1,14-17), apesar de Jonas ter preferido ser lançado ao mar que falar-lhes sobre a misericórdia do Senhor. O grande problema do livro de Jonas, a maior dificuldade é a conversão do missionário e não a dos iníquo e dos idolatras.
A conversão dos ninivitas começou com o povo e depois chegou ao rei, o qual expediu um decreto de penitência geral, incluindo também os animais para mostrar que a criação inteira é afetada pelos nossos pecados. A reação do rei de Nínive foi muito distinta do procedimento dos Reis de Israel que poucas vezes consideraram a exortação dos profetas. Assim como os marinheiros, o rei confiou na misericórdia de Deus, mesmo sem que Jonas a mencionasse em nenhum momento. E Jonas sabia que Deus é misericordioso, isso faz parte da fé de Israel ( Ex 34,6).
Para demonstrar seu arrependimento sincero os ninivitas se uniram, desde os da mais alta classe social até os mais humildes, na busca da misericórdia de Deus. Para mostrar isso empregaram os símbolos da época: fizeram um jejum e vestiram-se de panos de saco ( Jn3,5). Esse costume era empregado em momentos de tristeza ( 2Sm 3,31;Jr 6,26), de luto (Est 4,1-3), de arrependimento (Ne 9,1;Jó 42,6) e de humilhação (Dn 9,3-5).
Esses gestos externos eram expressões de uma mudança radical de atitude. Cada um deveria deixar o seu mau caminho (Jn 3,8-10), ou seja, o estilo de vida caracterizado pelo pecado e pela violência. O verbo arrepender-se, em hebraico shuv significa uma mudança radical, uma volta de 180 graus. Consiste em deixar um estilo de vida fundado na iniquidade por uma vida nova com perspectivas totalmente diferentes.
Mas a resposta de Deus à conversão dos ninivitas desagradou totalmente a Jonas, deixando-o profundamente irritado. Isto o fez revelar o objetivo da tentativa de fuga; não fora por medo da violência dos ninivitas nem por receio do desconhecido, como poderíamos supor. Para surpresa do leitor, Jonas diz que fugiu porque Deus é misericórdioso, lento para cólera e não faria mal a Nínive (Jn 4,2). Jonas não queria ser mensageiro de Deus porque assim evitaria que os ninivitas usufruíssem da misericórdia divina. Mas já que não conseguiu fugir dessa tarefa, agora preferia morrer a ver a salvação daqueles que considerava ímpios.
À revelia disso, o Senhor do céu e da terra ama a totalidade da criação. Essa é uma afirmação revolucionária para a maioria dos judeus contemporâneos do autor do livro de Jonas, pois se Deus de Israel cuida de todos os seres, povos e nações, qual o lugar de Israel como povo da aliança? Hoje diríamos : qual o privilégio de ser cristão, se Deus ama os ateus, os membros de outras religiões e até mesmo aqueles que maculam sua imagem com ódio? Isso significa que o povo de Deus deve investir na salvação dos iníquos e não na destruição deles, Os opressores, os violentos, os ímpios conhecerão a misericórdia e a redenção que vem de Deus através dos missionários de boas notícias.
O livro de Jonas termina bruscamente como o próprio desse gênero literário. Com isso permite ao leitor de cada geração fazer uma autocrítica e responder à pergunta do Senhor, confrontando-se com as atitudes de Jonas, dos marinheiros e dos ninivitas. Quem nunca desejou o desaparecimento definitivo do opressor ou do malvado? Quem se sente confortável em saber que "a misericórdia triunfa sobre o julgamento" (Tg 2,13)? O amor e a misericórdia de Deus se estendem a cada pessoa e deseja a conversão de todos.
O final do livro mostra o contraste entre Jonas e Deus : um deseja a morte, o outro, a vida; um quer a destruição, o, outro, a salvação. O livro inteiro é uma exortação à conversão e á misericórdia, ambas são indesejáveis a Jonas e ele necessita das duas. O livro desafia o cristão atual, herdeiro da vocação de Israel, a deixar-se corrigir pela Palavra inspirada, santa e perfeita, útil para exortar e para "discernir os propósitos do coração" (Hb 4,12).
Aila Luzia Pinheiro de Andrade
texto entregue pelo Prof. Mauro Filarge na palestra sobre o Livro de Jonas que aconteceu na Paróquia Santa Edwiges no dia 22/09/2010.
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